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domingo, 17 de novembro de 2019

Meus últimos dias de trabalho

D menos 128 - a sorte foi lançada


Comunico a meu chefe meu desejo de tirar um sabático de pelo menos 6 meses, idealmente um ano. Em princípio se fosse aceito eu embarcaria numa boa nessa, faria um teste da aposentadoria precoce. Meio sem entender (imagino a surpresa) ele me prometeu que ia verificar o que poderia ser feito. Não falei nada sobre IF, só falei de sabático mesmo, que precisava dar um tempo pra voltar revigorado. A sorte estava lançada. 

Eu me senti leve e corajoso, parecia que tinha tirado um peso dos meus ombros.

D menos 122


Último dia nesse cliente onde o pessoal até era gente boa mas eu odiava ir lá porque a logística era péssima pra mim. Tinha que pegar a marginal Pinheiros todo dia, enfrentando um baita trânsito, ainda por cima com um viaduto sendo reformado. Esse sacrifício todo pra fazer um trabalho que poderia muito bem ser feito de forma remota. Porém tinha um manda-chuva lá que queria ver a nossa cara, pra ter certeza que a gente estava trabalhando. O lugar daria um belo estudo de sociologia. Vários ali já eram aposentados oficialmente mas continuavam trabalhando não sei porque. Dívidas ? Sustentar filhos adultos ? Netos ? Sei lá.

No fim do dia passei o status dos problemas pra analista responsável, que me agradeceu com gentileza o empenho naqueles dias. Era por volta de 18h. Fiquei respondendo mais alguns emails e ao sair só restavam alguns gatos pingados no escritório. Lentamente desci a ladeira olhando no celular a situação da minha carteira, pensando que enfim era a última vez que faria aquele trajeto. Peguei meu carro e fui embora ouvindo podcasts pelas próximas 2 horas no trânsito.

D menos 118 


Eu e meu chefe tivemos uma longa e aprofundada conversa onde eu já apresentei concretamente meu plano de morar no exterior por um tempo. Deixei claro que sairia da empresa caso não fosse possível me conceder esse sabático. Deu pra perceber o bicho atordoado do outro lado da linha.

Expliquei que a culpa do meu stress não era totalmente da empresa, mas uns 80% sim. Quase 30 anos de trabalho, nunca havia ficado desempregado, tendo sobrevivido a todas as crises e planos econômicos que se abateram sobre o país desde os anos 90. Plano Collor - eu estava lá. Plano Itamar. Plano Real. Crise da Rússia, do México, Bolha Pontocom, Subprime... passei por todos. Enfim, expliquei que tinha que dar um tempo antes que começasse burn-out, depressão e afins.

D menos 30


Por motivos diversos eu não poderia manter meu emprego durante o sabático. Era necessário pedir demissão. Ao receber essa informação fiquei meio bolado. Planejei tudo mas na hora H sempre bate aquele frio na barriga. Ao final de uma reunião peguei uma folha de papel e fui pro café escrever minha carta de demissão. Dali a pouco aparece a gerente do projeto ao telefone, eu disfarço e volto pra sala. Daí 5 minutos vou a outro café, escrevo a mão a carta de demissão, tiro uma foto com o celular e mando pro RH. 

À noite quase não consigo dormir. Não acredito no que estou fazendo e digo a mim mesmo que é o plano a ser seguido, sem questionar. A hora de questionar já havia passado.

D menos 13 - adeus, Marginal


Mais uma vez a logística era péssima - enfrentar a maldita marginal Pinheiros, uma das vias mais congestionadas da cidade. Foram mais 2 horas de trânsito numa sexta-feira à tarde, ao som de vários podcasts. Porém esta seria a última vez. Nos dias seguintes fiz uma combinação de trabalho remoto e Uber, que é bem menos estressante porque eu aproveitava a viagem pra ler.

D menos 6


Fui fazer meu exame demissional. Foi rápido e bem superficial. Não sei se num exame desses pegam as doenças modernas - depressão, síndrome do pânico, burn-out, etc.

Mais um prego no caixão. O papel que a médica me deu parecia pesar uma tonelada.

D menos 2


Último dia fisicamente neste projeto. Tudo atrasado. Nunca sequer ouvi falar de um projeto que tenha saído no prazo. Prazos impossíveis é o padrão, não tem jeito, tanto que nos meus últimos projetos eu nem dava bola pra datas, nem sabia dizer qual era o prazo porque eu já sabia que ia atrasar.

Muita coisa pra fazer, incluindo passar as buchas pro meu sucessor. Todos me cobram como eu se fosse estar ali pra sempre. Eu assisto à tudo incrédulo. A ficha deles não havia caído. Faço o já tradicional rodízio entre reuniões pouco produtivas, café ruim e home-broker.

Às 18h me despeço de todos e desejo-lhes boa sorte no decorrer dos trabalhos. Ao cair da noite embarco no Uber pra nunca mais voltar ali.

O dia D


Chego às 9 da manhã, pego um café e começo o ritual que eu mentalmente chamo de "armar acampamento": retirar laptop da mochila, fonte, mouse velho com uma parte colada com fita crepe pra não cair, e o fone de ouvido pra fazer as últimas conferências. Montar tudo pela última vez. Por longos anos quis muito ter uma mesa, com uma foto da família e frases motivacionais. Um lugar fixo pra enfrentar as agruras do trabalho. Não deu.

Dia de resolver as últimas burocracias, devolver as coisas e almoçar pela última vez com os colegas. Até alguns dias antes nem sabia direito se ia fazer uma despedida, depois pensei direito e resolvi escrever pelo menos um email. Se não seria muita falta de consideração. Como não fiquei fazendo propaganda, tinha muita gente que nem sabia que eu estava saindo. Acabei indo almoçar com uma galera e foi bem legal.

Na volta respondi alguns emails e juntei minhas tralhas pra devolver. Passei no RH e entreguei minha carta de demissão escrita um mês antes, junto com o exame demissional. Entreguei meu crachá e fui acompanhado por um funcionário até a saída do prédio. 

Assim terminava minha história como empregado bem remunerado de uma grande multinacional.

Virei vagabundo !

17 comentários:

  1. Meus parabens pela coragem. Poucos consguem sair da corrida dos ratos como vc conseguiu e tiro meu hat pra vc! Abcs e qual seu patrimonio?

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    1. Meu blog segue uma linha "soft-porn" em relação a patrimônio. Não está explícito como nos blogs de vários colegas, tá meio escondido mas se vc fuçar e fizer as contas vc acha. Valeu a força e obrigado pela visita !

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  2. "Muita coisa pra fazer, incluindo passar as buchas pro meu sucessor. Todos me cobram como eu se fosse estar ali pra sempre. Eu assisto à tudo incrédulo. A ficha deles não havia caído."

    Impressionante como as pessoas parecem mais zumbis remunerados, tão acostumados à "ração" no fim do mês que sequer conseguem lidar com alguém diferente, que se planeja e mete o pé desta porcaria que é o mundo corporativo.

    Pedir demissão é uma das coisas mais deliciosas da vida. Todo mundo deveria experimentar essa sensação ao menos uma vez.

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    1. É muito louco mesmo. Um sistema que te domina, te explora mas vc nem pensa em se livrar dele. Obrigado pela visita !

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  3. Excelente,dá um nervoso só de pensar no dia de parar!

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  4. Show Vaga. Que este relato inspire muitos de nós a fazer o mesmo na hora certa, sem medo. Acompanharemos sua trajetória FIRE para ter certeza disso. Abcs

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    1. Valeu, bro. No fundo vc nunca achará o momento ideal para uma grande mudança pois sempre haverá algum vento soprando contra. Porem isso não pode te parar se é o que vc realmente quer. Abs

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  5. Parabéns Vagabundo! Mais um que saiu da corrida dos ratos.
    Em breve serei eu. Alguns duvidam que eu tenha coragem de sair por conta da minha remuneração ser boa, mas assim que eu alcançar a meta financeira, com certeza sairei. Não me vejo trabalhando em algo que não me dá prazer por mais 20 anos. Parabéns mais uma vez! Beijos. Yuka.

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    1. Grande Yuka, obrigado pela força ! Mas vc vai parar de vez mesmo ou vai dar um tempo ? Que que o povo tá achando dessa ideia (se é que sabem) ? Eu acho que vou acabar trabalhando de novo algum dia nem que seja pra ganhar pouco. Trabalhar pouco e ganhar pouco é meu sonho. Bem coisa de vagabundo mesmo. Bj

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    2. Vagabundo, sou que nem você, meu sonho é um dia trabalhar com coisas simples... queria ser garçonete por um tempo, queria trabalhar como estoquista em um supermercado, ou no caixa, trabalhar em uma floricultura... a ideia é trabalhar pouco, adquirir conhecimento e matar a curiosidade de como funciona certas coisas e depois partir para um outro trabalho. Por isso eu preciso de dinheiro, pra poder fazer essas coisas. Talvez no início, eu fique 1 ou 2 anos sem fazer nada, só curtindo a vida, fazer academia, passear nos horários que eu nunca pude passear... e depois volte a trabalhar. Sobre sua pergunta, são poucas as pessoas que sabem que eu pretendo sair do meu emprego. Os poucos que sabem, acreditam que eu vou sair mesmo e abraçar o mundo kkkk.

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  6. Olá,

    Ainda estou no caminho, juntando minhas migalhas mas já não estou aguentando meu trabalho. Tenho o suficiente para ficar um tempo sem trabalhar mas não pretendo ficar parada e vou tentar remunerar um hobby. Se eu conseguir o suficiente para cobrir meus custos com esse novo trabalho, já me darei por satisfeita, pois ainda terei o que juntei rendendo alguma coisa. O que não dá é o estresse que estou passando para juntar meu pé de meia. Estava pensando em pedir as contas em janeiro mas acho que não aguento até lá. E apesar de querer fazer isso, me bate um desespero de estar fazendo a coisa errada e não ter como voltar depois, mas o que fazer se esse trabalho está me destruindo mentalmente, né? Vou ter que arriscar.

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    1. Tenta ir montando esse lance do hobby remunerado em paralelo com o empregado se possível. Realmente é uma estrada que uma mao só, então tem que ser bem pensado. Eu suportei por décadas, outros continuarão suportando por mais 2 décadas. Só vc sabe onde dói o calo. Sorte ai !

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  7. Cara que post poético... Me faz lembrar o dia que pedi demissão da minha primeira empresa, na qual eu odiava por dormir pouco (Acordava às 5:30 e ia dormir la pras 00:00), trabalhar na sujeira, cheguei no burnout com 18 anos após 2 anos nessa rotina desgraçada. Foi um dia espetacular, lembro de sair as 10:00 da empresa após assinar minha demissão e lembro a sensação de liberdade ao sair da empresa e pegar o ônibus circular, que estava vazio por sinal.
    Bom... no meu caso não foi a IF... mas acredito que a sensação tenha sido parecida.
    Parabéns

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    1. No meu caso eu tinha tanta coisa pra resolver por causa da mudança que nem deu pra curtir o momento. Fora que nem era o meu pior momento, já tinha passado por fases muito piores... Obrigado e bons investimentos !

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  8. E ai como está sendo?
    Estava lendo este artigo e lembrei de vc. Seu estilo e tal, tlvz goste
    https://www.nytimes.com/2019/04/29/smarter-living/the-case-for-doing-nothing.html

    Poste ai sobre como está sendo, estamos curiosos !

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    1. Hey man, obrigado pela lembrança ! Esse artigo é meu sonho. Imagina ficar sem fazer nada uma tarde inteira... porem ficar sem fazer nada nao significa que nao tem nada pra fazer. Com mulher e filho em casa tenho que fazer malabarismo pras minhas coisas andarem pra frente. Mesmo fazendo caminhada nao estou fazendo uma pausa porque vou andando e ouvindo podcast ao mesmo tempo. Se nao for assim, nao escuto, em casa nao rola. É muito difícil desconectar, ainda mais quando vc sabe que tem um monte de coisa pra fazer e algumas delas vc quer fazer. Quase 200 dias sabáticos ja, fica ligado que vai ter um post comemorativo. Abs e obrigado pelo apoio !

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