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quinta-feira, 16 de abril de 2020

Porque não uso a regra dos 4% (e o que uso afinal)


Invariavelmente quem descobre a filosofia FIRE acaba trombando com a regra dos 4% e comigo não foi diferente. A beleza dessa regra está na sua simplicidade: pegue suas despesas anuais, multiplique por 25 e pronto, ali está seu número mágico ! Aí é só juntar essa grana e dar um pé na bunda do chefe. 

Porém lendo e relendo eu cheguei a conclusão que pra mim essa regra é só uma estimativa, e pouco precisa. 

Veja abaixo porque eu não adoto a regra dos 4%. 


Não invisto nos EUA majoritariamente

Tanto o estudo original do William Bengen quanto o Trinity Study pegaram como base o mercado americano, com dados de várias décadas num país que vem superando crises e crescendo nos últimos 100 anos.

É uma realidade muito diferente da nossa. Desconheço estudos semelhantes para o Brasil, um país cuja economia só se estabilizou nos últimos 25 anos - período muito curto para um estudo assim. Olhando para os EUA, por exemplo, temos 60 períodos de 30 anos entre 1926 e 2014. Estes começam todos os anos, de 1926 até 1985. Já quanto ao Brasil, somente daqui 5 anos teremos o primeiro e único período de 30 anos, de 1995 a 2024... não é possível simular o desempenho de uma carteira em um único cenário e tirar conclusões.

Até mesmo para outros países desenvolvidos é difícil e até mesmo não se recomenda aplicar a regra dos 4%. Veja em detalhe neste artigo.

30 anos de aposentadoria é muito pouco 

Pra uma aposentadoria tradicional aos 65 anos, 30 anos é bem razoável. Já pra quem quer parar aos 40, estamos falando de uns 55-60 anos de horizonte. É provável que se o portfolio durar 30 anos que ele dure 40, mas qual a probabilidade ?

Rentabilidades passadas

A rentabilidade dos bonds era altíssima nos anos 60 e 70. Muito fácil manter uma taxa de retirada a 4% quando o título do governo americano pagava 8%.

Pra quem quiser se aprofundar eu indico o blog "Early Retirement Now", onde o cidadão publicou tantos artigos de qualidade sobre taxa segura de retirada que honestamente não sei porque ainda se fala do Bengen e do Trinity Study. Entendo que foram contribuições importantes mas agora estão ultrapassadas. Veja o post abaixo - as 10 coisas que os criadores da regra dos 4% não querem que você saiba:

10 things the makers of the 4% rule don't want you to know


Despesas variáveis

A regra dos 4% é simples porque você usa suas despesas atuais somente. Porém durante os 50-60 anos de uma aposentadoria precoce muita coisa vai acontecer. 

Posso falar por mim. Vou educar outro ser humano nos próximos 15 anos, passando por todas as fases - infância, adolescência, faculdade - e custos que vão variar bastante, atingindo o pico na época da faculdade.

Depois eu vou estar mais velho, com mais tempo livre mas sem paciência pra aturar viagens tipo mochilão, hotéis baratos e camelagens em geral. Vou querer conforto e terei que pagar mais caro. Por outro lado já terei criado minha filha e não terei mais despesas com ela.

No final vou estar torrando uma grana com remédios e médico, pra no fim das contas ir morar numa casa de repouso, que também não é barato.

Todas essas fases são difíceis de modelar na regra dos 4%, pois ela te diz um valor fixo de retirada que você vai corrigindo pela inflação. Se você fizer a conta usando como base a fase com mais despesas, vai acumular muito mais dinheiro que precisa, correndo o risco de nem sequer chegar lá.

Regra genérica, não pessoal

Vejo o valor da regra dos 4% como uma estimativa simples e genérica do número mágico. É uma regra geral, que não deveria ser cegamente aplicada no plano individual. Se você realmente está disposto a puxar o gatilho acho que ela não dá segurança suficiente. Tem que fazer contas mais complexas.


Se você está começando a jornada rumo a IF ou está ainda longe de chegar lá, acho que pode considerar a regra dos 4% apoiada por diversas planilhas na internet que fornecem uma estimativa do "número mágico". No entanto, se você vê que está chegando perto e faltam cerca de 3 anos é melhor mudar para uma planilha personalizada.

Foi o que eu fiz.

O que eu uso então ?

Como na época não encontrei nenhum template ou site por aí, desenvolvi uma planilha onde eu planejo todas minhas despesas nos próximos 50 anos. Ela corrige tudo pela inflação estimada ano a ano, soma e me dá o número mágico. Clique aqui pra mais detalhes.

É a mesma idéia da planilha do blog Viagem Lenta, também trabalhada nos blog gringos Early Retirement Now e Retirement Manifesto. Em todas você informa despesas e receitas. A minha retorna quanto precisa ter em carteira pra cobrir todas as despesas e morrer zerado. Na do ERN adicionalmente você informa o valor da sua carteira e um valor para deixar de herança, e ela retorna quanto você pode sacar por mês e ano. Nas do Viagem Lenta e Retirement Manifesto você informa o valor dos seus investimentos e uma taxa de rentabilidade, daí vai brincando com os números até que o valor final do patrimônio seja maior que zero.

Eu teria usado a planilha do Viagem Lenta ou do Retirement Manifesto se soubesse que elas existiam (a do ERN é recente), e provavelmente teria mexido pra ficar do meu jeito - taxas ano a ano ao invés de constantes.

Com o número dessa planilha, eu preencho uma outra onde eu distribuo o valor para diversos tipos de ativos e suas taxas de retirada e yield correspondentes. Baseado nas despesas ali informadas, ela me diz qual seria o valor de cada ativo para obedecer à minha alocação de ativos. Eu sei então quanto devo ter em renda fixa, FIIs, dólar, reserva do dia-a-dia, etc para cobrir as despesas e posso assim planejar novos aportes ou rebalanceamento. Ela também calcula quanto de dividendos ou juros cada tipo de ativo pode gerar. Tem que testar mudando a alocação pra ver se chega na renda almejada.

Em resumo, pra declarar IF eu passei por estas fases:

1 - regra dos 4%
2 - planilha de planejamento de aposentadoria, ano a ano
3 - planilha de alocação de ativos e renda passiva

No início do ano refiz os cálculos dos passos 2 e 3. A taxa mínima que preciso ao ano estava em 3,5% (juros reais) em 2019, caindo agora em 2020 pra 3,03%. Vou chamar esta taxa de TNRP - Taxa Necessária para Remuneração do Patrimônio. É a mesma taxa apresentada pelo Viagem Lenta. A redução da taxa em geral é boa, só é preciso ter em mente que foram calculadas com orçamentos e cenários econômicos diferentes. A vida vai mudando e isso se reflete na TNRP. Ela é flexível.

Uma outra alternativa à regra dos 4% é você não se preocupar com o valor do patrimônio, e sim se a renda passiva que ele gera atingiu o valor que você quer. Você investe em ações de dividendos, FIIs, imóveis físicos pra aluguel e títulos que paguem juros de tempos em tempos. Esta idéia é usada por exemplo pelos blogueiros Sr. IF365 e Viver de Dividendos, além do youtuber Viver de Kitnet. Olhando a planilha do passo 3 dá pra ver que uso um pouco disso. A minha idéia é usar os dividendos para cobrir uma parte das minhas despesas e assim diminuir o valor necessário na reserva do dia-a-dia e a taxa de retirada. É o conceito de Yield Shield apresentado no blog Millenial Revolution.

Obrigado por ler até aqui, espero ter te agregado algo ! Qualquer dúvida, crítica ou sugestão, deixe seu comentário.

Se você quer se aprofundar no porquê da regra dos 4% não servir pra muita coisa, recomendo este post do blogueiro italiano Retire In Progress. Nele tem links pra uma infinidade de artigos e muita informação. Um dos melhores posts da blogosfera FIRE internacional !

17 comentários:

  1. Legal Vaga. Muitos rejeitam a regra dos 4% para poderem gastar mais de 4%. No seu caso, vc planeja usar menos de 4% nesta sua metodologia então parabéns, vc é um dos poucos espertos que não vão se lascar por serem agressivos demais nas taxas de retiradas. Abcs

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    1. Valeu bro. Só tem que ver que nao da pra comparar minha taxa de retirada com a regra dos 4% porque elas vieram de calculos completamente diferentes, é só uma coincidencia que estou projetando menos de 4%; e TNRP nao é taxa de retirada, é a taxa de juros real que eu persigo. Cheers!

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  2. Vagaba, sua estratégia é muito inteligente, mas requer um trabalho fenomenal. Creio que um misto dos 4% (como norte inicial) e o yield shield, com devidos ajustes e flexibilizacoes de acordo com sua inflação real pessoal e eventual queda dos Dividendos (vide cenário atual), seja um pouco menos cansativo de estimar.
    Abraço

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    1. AC, nem me fale, dá trabalho sim, mas é o que me dá mais segurança. Ainda tenho uma planilha turbinada baseada na do AdP que atualizo todo mês. Coisa de louco.

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  3. Essa regra de 4% é uma ilusão, na minha opinião.
    O que conta mesmo é diversificação e gestão do patrimônio.
    Pra mim, só vou me considerar IF quando tiver 2 ou 3 imóveis alugados, boa carteira de fii e ações, títulos públicos e privados e 20% no exterior.
    No Brasil até o passado é incerto.

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    1. O seguro morreu de velho, né ? Boa sorte e obrigado pela visita !

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  4. Eu também prefiro viver da renda dos dividendos na aposentadoria, ter uma reserva de emergência (12 meses o seu custo de vida) mais 2 vezes a sua despesas mensais de dividendos já é muito bom para viver bem.

    A ideia seria viver dos dividendos e sempre reinvestir a diferença com faz o Luiz Barsi, então quanto mais anos passa mais rico ele é.

    Eu também divulgo esta ideia no meu blog e no meu canal do youtube (com o mesmo nome do blog) de aposentar com os dividendos.

    Abraço e bons investimentos.

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    1. Muito bom, DIL, faz um post mostrando a estimativa de quanto tem que ter investido em ações pra viver de dividendos. Seria muito legal ver a sua perspectiva. Abs e bons investimentos !

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    2. Acabei de fazer uma postagem sobre a minha perspectiva sobre este tema. Espero que goste!

      Abraço!

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  5. O interessante de se ler o que voce escreveu e que invariavelmente acabo fazendo a mesma coisa. A chave e fazer um mix de estrategias. Eu uso a regra dos 4% como parametro para fazer as alocacoes. Pretendo sar os dividendos para cobrir as despesas mensais. Tambem adotei uma escadinha de CDBs para ter liquidez anualmente. Alem da reserva que ficara em tesouro Selic/Poupanca.
    Mas o mais IMPORTANTE de tudo isso e DIVERSIFICACAO. Dolar, FII, ETFs, acoes, Reits, Tesouro, CDBs, Debentures, Imoveis.
    A unica coisa que acho meuio louco e fazer planilha com previsao para 30/40 anos. Isso e impossivel. A minha planilha e mensal, e projetada ate 2035 (que tambem ja acho impossivel). O legal e voce ser FLEXIVEL, e moldar-se ao momento. Ate porque nao acredito que nunca mais gerarei renda ativa na minha vida. Eu tenho certeza que farei algo para ganhar money.

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    1. Também tenho escadinha de CDB. Planilha de 40 anos de despesas pra mim funcionou, foi o que me fez ficar mais seguro e entender no que posso ser flexível. Bons investimentos !

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  6. Ótimo texto, vagabundo.
    No meu caso, apesar de não estar montando uma carteira focada em dividendos, pretendo viver da mesma forma que o DIL citou aí em cima: consumindo dividendos para as despesas, e reinvestindo uma parte para aumentar meu patrimônio anualmente.
    Não é fácil, mas como não tenho previsão de parar de gerar receita ativa, acho que é uma estratégia plausível.
    Parabéns pelo texto e pela reflexão.
    Abraços, Stark.
    www.acumuladorcompulsivo.com

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    1. Grande Stark, obrigado pela visita ! Ter uma estratégia sólida como alternativa aos 4% é fundamental. Parabéns e bons investimentos !

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  7. Putz TNRP cara? Algo que vc nao tem controle nenhum. Nunca gostei dessa parada ai nao

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    1. É o melhor que arrumei até agora. Qual métrica vc usa ?

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