Pesquisar este blog

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Em defesa do movimento

Futuros vagabundos,

Como vão ?

Recentemente o podcast "Afford anything" entrevistou Suze Orman, uma especialista em finanças pessoais, palestrante e autora de vários livros na área. Ela ficou cerca de uma hora descendo a lenha no movimento FIRE e na idéia de aposentadoria precoce. Se você é mesmo sério nesse negócio de independência financeira eu te digo, é de arrepiar ouvi-la fazendo terrorismo, tentando botar água no nosso chope. A entrevistadora parece ficar sem palavras.

Alguns blogueiros gringos famosos como o Early Retirement Dude, Mr. Money Mustache e Millenial Revolution revidaram com chumbo grosso.

Agora este humilde terceiro-mundista vai dar seu pitaco.

Uma coisa a ter em mente é respeitar a entrevistada. Nunca tinha ouvido falar nela, então dei uma googlada. Ela tem 67 anos e é super rica (tinha até programa de entrevista numa TV americana), mas começou de baixo e com muito trabalho construiu uma fortuna na casa dos 30 milhões de dólares. Ela conta isso na entrevista e essa trajetória tem que ser respeitada.



A seguir os pontos que ela comentou, porquê ela odeia o movimento FIRE e porquê seria uma idéia ridícula se aposentar antes dos 65 anos.

Tragédias acabarão com seu dinheiro

Ela diz que é muito bonito parar de trabalhar com 35 anos e ir viajar o mundo mas conforme a idade chega, merdas acontecem - você ou um familiar pode ter cancer, ficar desabilitado, vegetando numa cama, essas coisas. Ela dá como exemplo ter gasto 3,5 milhões de dólares cuidando de sua mãe em idade avançada. Uma doença pode te impedir de trabalhar, mesmo que você queira, e aí seu dinheiro vai acabar e você vai morar debaixo de uma ponte.

Ou um tornado pode vir e acabar com sua casa, te dando um imenso prejuízo, te forçando a voltar a procurar emprego com 70 anos, sem achar nada, fazendo-o ir morar debaixo da ponte.

E aí, gente, ferrou-se ?

Acho que o ponto é que como nos EUA os custos com saúde são altíssimos, acaba realmente sendo um grande risco se não colocar direitinho no orçamento. É um ponto pouco comentado nos blogs gringos. A entrevistadora Paula Pant termina o podcast refutando os argumentos anti-FIRE mas não toca no assunto.

Vejo o povo toda hora preocupado com isso no Reddit. Realmente não sei como eles fazem. É o único país desenvolvido onde saúde é bem de consumo. Ponto pra nós, pois por mais caro que seja, aqui ainda é mais barato cuidar da saúde e se você não tiver grana mesmo pode tentar a sorte no SUS (claro que nós, entusiastas da IF, vamos tacar esse custo no Excel e não vamos parar enquanto não alcançarmos o número mágico).

Eu mesmo ponho nas minhas contas que vou morar em casa de repouso a partir dos 80 anos pagando uns 10 mil reais por mês. Mais uns 5 mil de plano de saúde. Um post sobre isso está nos planos. Continuarei pagando o mínimo do INSS para ter direito ao auxílio-doença. Nos EUA só tem direito ao auxílio-doença quem está na ativa ou tem mais de 60 e tantos anos. É punk.

Tirando a questão de saúde e doenças, para mitigar o risco de destruição do patrimônio por desastres naturais existe algo chamado SEGURO. Não vamos se aposentar sem por casa e carro no seguro. Então não faz sentido colocar isso como obstáculo para a aposentadoria antecipada. É só por no orçamento e fazer as contas.

Mas meu grande ponto é que uma tragédia como essas - doença fatal, furacão, invasão marciana - poderia detonar as finanças de qualquer pessoa, seja ela aposentada ou não. É algo totalmente fora do nosso controle. Eu preferia me aposentar com 30 milhões no banco mas para isso eu teria que trabalhar até os 90 anos, afinal ganhar na loteria não é muito provável. Mas e aí ? E o risco de aos 89 anos o cara morrer sem aproveitar o patrimônio construído ? É uma questão de escolha. Não dá pra ter TUDO nessa vida, mas dá pra ter QUALQUER coisa.

Prefiro parar antes do que viver com medo. Usando a matemática nós vemos que com disciplina é possível se aposentar com 1 ou 2 milhões, não com 10 ou 20 como ela prega ao longo da entrevista.

Parar cedo é perder a força dos juros compostos

Suze argumenta que parando aos 35 anos não haverão mais contribuições ao seu portfólio, as quais gerariam juros sobre juros nos próximos 20-30 anos, um dinheiro que vai fazer falta. Acho que ela não entende o conceito de TSR e regra dos 4%. Ela deve achar que as retiradas irão sempre consumir o principal do investimento.

O dinheiro que estiver lá aos 35 anos de idade vai sim continuar rendendo juros sobre juros. Daqui 30 anos aqueles 100 reais vão virar um milhão, desde que não se consuma o principal. Você não vai se declarar financeiramente independente e sacar toda grana de uma vez.

Outra coisa, quem disse que nunca mais vão haver aportes ? Daí vem o ponto seguinte.

Tédio vai te matar

Suze diz ter parado com tudo aos 65 anos, aí não aguentou o tédio e voltou a trabalhar. Ela diz que corremos o risco de morrer de tédio e então não faz sentido a aposentadoria precoce. Mais uma vez ela levou o nome RE (retire early) muito ao pé da letra e eu não a culpo pois também acho confuso. Seria melhor chamar essa filosofia de FI/CC - Financial Independence / Career Change. Você atinge a IF e aí faz uma mudança de carreira, continuando a trabalhar mas em outra área, mais alinhada com seus gostos pessoais.

Ela provavelmente não sabia dessa nuance. Não significa parar de aportar com 35 anos de idade. Não significa não ganhar nem 1 centavo mais na vida. Você até pode tentar mas duvido que consiga. Uma pessoa relativamente jovem e ativa não consegue, a cabeça não aguenta.

Faça o que você gosta, aí não precisa parar cedo

Essa é uma mas maiores abobrinhas do nosso tempo. Suze Orman argumenta que diante de todos esses obstáculos o melhor é arrumar um emprego que você goste, fazer o que você goste até os 70 anos e aí sim se aposentar. Onde estão esses empregos maravilhosos, estáveis, com tarefas agradáveis e bem remunerados ? Se eu achasse um, trabalharia décadas a fio nele. Eu cansei de procurá-los e cansei de tentar inventá-los.

Suze aparentemente está entre os poucos privilegiados nesse mundo que trabalhou 40 anos fazendo o que gosta e ainda por cima ganhando um bom dinheiro com isso. Aí é fácil dar esse tipo de conselho. A mídia só mostra a meia dúzia que deu certo seguindo seus sonhos, não os milhares que fracassaram e foram parar debaixo da ponte.

Ainda que você tenha um emprego legal que te proporcione satisfação profissional e dinheiro, não vá pensando que não precisa poupar ou planejar o futuro. O problema é que é um emprego e está sujeito a mudanças alheias à sua vontade - um novo chefe, uma reestruturação, uma mudança no mercado ou na economia podem transformar o emprego dos sonhos num pesadelo.

"Faça o que você é bom" é um conselho melhor na minha opinião. Se você fizer algo com competência terá boas chances de ser bem remunerado. Aí você pega o salário, poupa, investe e sai fora ao atingir a IF, para aí sim fazer algo que você realmente goste, pouco importando a remuneração. Acho mais plausível.

Conclusão

É óbvio que o padrão de vida dela passa longe do nosso e dos blogueiros citados. Também a questão é que ela diz odiar o movimento FIRE mas não o estudou direito. As possíveis falhas que ela relata são o que eu pensei logo que topei com a idéia. Num primeiro momento parecia absurdo mas lendo vários blogs, livros e fazendo as contas vi que era possível. Essa lição de casa ela não fez antes de baixar o sarrafo no melhor estilo "vão trabalhar, seus vagabundos !!!".

Faltam 228 dias.

12 comentários:

  1. Essa questão é totalmente pessoal. No Brasil é muito pouco provavel que alguém sobretudo vindo da classe D ou C consiga de fato uma IF plena com certo nível de qualidade até os 35 ou mesmo 40 anos.
    A nossa realidade salaral e o custo de vida brasileiro praticamente inviabiliza isso a quem ganha até seus 2.5 ou 3K, a não ser que seja alguém de fato muito frugal, mas pra isso o ideal seria começar a poupar e investir desde cedo, morar com os pais até tarde para só aí bancar 100% a própria vida.
    Contando que no percurso a gastos com falculdade, cursos, especialização, moradia, carro(talvez), e necessidades básicas como alimentação e contas de água luz etc, é fácil perceber que a missão não é das mais fáceis.

    Porém, para aqueles que conseguem a IF e a semi IF a grnade vantagem consiste na sensação de liberdade.
    Poder omeçar a escolher as as coisas, aonde quer trabalhar, se quer cntnuar no mesmo emprego etc e não apenas ser escolhido, já é um grande avanço.
    Vejo que muita gente se torna dependente de seu emprego financeiramente e até emocionalmente, já que muitos vivem muito pra profissão e empresa pra qual trabalha.
    Há a necessidade de equilíbrio sempre.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Também acho que nao é pra todo mundo mas não me arrisco em dizer qual seria o limite. Eu mesmo vim da classe C e estou chegando lá. Um dia trombei com um blog onde o cara planejava uma renda passiva de 1 salário mínimo. Fato é, quanto menor a renda, menos margem vc tem para poupar. Se a renda é baixa, o foco é aumentá-la investindo em si mesmo. Essa liberdade que vem antes da IF já é linda. Obrigado pela visita !

      Excluir
  2. Excelente post Vagabundo!
    Achei interessante o movimento começar a incomodar o status quo.
    E é sempre bom lembrar que em caso de apocalipse zumbi ou invasão marciana dinheiro não serve nem pra acender fogueira!
    Grande abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, Janota ! Mas é bom alguem aparecer questionando, pra gente realmente entender melhor o que estamos buscando e porque.

      Excluir
  3. Eu acho que esse pensamento de "parar de trabalhar o mais cedo possível" é, no mínimo, pequeno e limitado. O ser humano NÃO VIVE sem um trabalho. Seja ele remunerado ou não.

    Acredito que se uma pessoa quer a todo custo se aposentar o mais rápido possível, o problema está em não gostar do que faz.

    Creio que o grande objetivo da vida de uma pessoa deva ser encontrar a autonomia. Com a autonomia, vem a capacidade direta de fazer seu próprio dinheiro e então trabalhar em prol de ter cada vez mais liberdade, para, inclusive, trabalhar com o que gosta.

    Viajar é bom, mas viajar o resto da vida é chato. Trabalhar em prol de alguma coisa que te dê tesão é muito mais gostoso.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Exato - e é por isso que quero atingir a IF o mais rápido possível, pra ter liberdade pra trabalhar no que gosto ou vagabundar pela vida se me der na telha. Obrigado pelo comentário !

      Excluir
  4. Oi, Vagabundo! Gostei da repercussão da entrevista com Suze Orman. Não sei se você já viu, mas ela já se retratou de algumas afirmações feitas na entrevista.

    Ainda assim, os argumentos que ela trouxe são muito comuns de serem proferidos pelo pessoal que acaba de conhecer o movimento FIRE. É bom pra gente ir treinando a contra-argumentação, e fortalecer ainda mais nosso objetivo.

    Gostei do seu blog! Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Li em algum lugar que ela deu uma maneirada. A gente também tem que responder com fatos e números, senão nos igualamos a ela. Valeu !

      Excluir
  5. Fala Vagabundo,

    Cara esse teu apelido fico até incomodado de pronunciar....kkk

    Um outro blogueiro já tinha comentado dessa mulher, acho que foi o IF365.

    Realmente a realidade dessas celebridades inchados por seus egos é totalmente diferente da nossa. Não dá pra nos basearmos pelos comentários dessa mulher. Seria a mesma coisa a gente chegar para um mendigo e falar que R$ 100k não é nada. Pro cara que não tem nada é dinheiro para as próximas gerações. Pra nós dois ou três milhões bem administrados e sem muito luxo dá pra viver bem a vida toda a ainda deixar um bom patrimônio para próximas gerações.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Perfeito, pra quem tem 30 milhoes 2 não é nada, e pra quem tem 2 milhões 100 mil não é nada... não esquenta com meu nick. Quero virar vagabundo !

      Excluir
  6. Eu com 2k de renda já vou da uma parada, e viajar um ano +- depois volto trabalhar de novo intercalando sabáticos. Meu objetivo era chegar no 1500 euros para morar em portugal como rentista, mas ta cada dia mais difícil isso acontecer ...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vc pode ir pra Portugal como rentista num desses sabáticos e depois de 6 anos pegar cidadania e aí trabalhar lá. Tem que fazer as contas pra saber se seu portfolio aguenta 6 anos de retiradas sem nenhum aporte. Boa sorte !

      Excluir